22.10.06

Cronica nº 007 - Falar o quê?

Falar o quê?

Brasília, 09 de setembro de 2006.


...............Caro amigo leitor, ponho-me perante Vossa Majestade neste momento para relatar-lhe o mal do qual sofro e que atordoa-me severamente. Mas fique tranqüilo, creio que deste mal ninguém morreu, ou pelo menos ninguém perdeu a vida. Apesar de meu colesterol um pouco alto, não é problema cardíaco, muito menos doença contagiosa. Loucura? Acho que também não, acho; Seria então insanidade degladiar com a Língua Portuguesa, severa em sua beleza, para extrair dela um texto digno de sua grandiosidade?
...............Estou a sofrer de um mal que certamente já assolou escritores célebres como Machado de Assis, Jorge amado e Vinícius de Moraes bem como praticamente todos os cronistas da atualidade. Calma! Tá bom, tá bom, já vou contar. Mas peço desde já sua paciência querido leitor, que tristemente relatarei desde o começo o que se passa no âmago literário deste meu ser desesperado.
...............Hoje, uma bela tarde de sábado, sentei-me ante a tela do computador que ficou a me encarar, suplicante por estar repleta de caracteres bem dispostos, em frases conectadas perfazendo um texto coeso e coerente. Aquela tela branca mostrava a ousadia de uma barrinha vertical piscando incessantemente à espera das letras que desbravariam a páginas do editor de textos.
...............O teclado bem ao alcance de meus dedos titubeantes parecia desafiar meus olhos e minha criatividade. Logo em frente sobre minha mesa uma pequena imagem de Santo Expedito sorria-me com o intuito de me dar forças e coragem para acionar a primeira tecla de uma crônica escondida nas profundezas de meu cérebro.
...............Mas você deve estar se perguntando meu caro amigo: “Porquê é que esse infeliz não começa logo a escrever, ora bolas?” Eu já lhe digo. Pensei: “Escreverei sobre cães.”, mas achei o tópico meio batido, há poucos dias publicou-se uma reportagem sobre o tema em uma revista de renome, então resolvi escrever sobre política, as eleições, então recordei-me de ter escrito sobre tal assunto em um texto meio desastroso e polêmico. Então já meio sem paciência resolvi. Escreveria sobre ... sobre ... ah, já sei! Escreveria sobre o feriado de Sete de Setembro, isso! Decidido.
...............Mas qual seria o adequado título para esta crônica? Gastei bem uns dez minutos e o bendito do título não me veio à cabeça. Bem, tentando não me dar por vencido, decidi começar pelo texto e deixar o título para o final. Comecei a organizar minhas idéias.
...............Como havia ido assistir àquele espetacular desfile em Brasília, onde moro, lembrava-me estar maravilhado com o poder dos aviões-caça que passaram velozmente pela Esplanada dos Ministérios. Também me saltava aos olhos os tanques de guerra imponentes passando pela avenida. Todos aqueles soldados orgulhosos de estarem ali representando as forças armadas que protegem o território nacional. E o povão vibrando com aquele espetáculo genuinamente brasileiro.
...............Ao cantar o Hino Nacional, invadira-me o espírito um orgulho de estar ali, de ser parte daquele povo e estar presenciando aquela festa tão bela. Fiquei muito feliz. Que beleza o meu país, o Brasil! Repleto de pessoas acolhedoras, muito verde e riquezas minerais em abundância. Notei naquele momento que o povo, na verdade, escondia um pomposo patriotismo que bastando um empurrãozinho se manifestava com toda a força, orgulho e esplendor.
...............Ponderei: Quais seriam as razões deste patriotismo escondido? Seria pela vergonha em face dos recentes acontecimentos políticos? Ou seria pela falta de segurança pública? Talvez por perceber um Brasil cheio de problemas de infra-estrutura, saúde, educação? Lembrei-me de tanta coisa ruim que andava acontecendo que, para não estragar aquele tão belo sentimento presente em meu coração, acabei desistindo de escrever sobre o feriado de Sete de Setembro.
...............Aí, meu exasperado leitor, foi apagar tudo e recomeçar. Pode me esculachar, se quiser pode até largar este texto de lado, mas se a curiosidade lhe roer os brios como cupins em madeira de lei, desafio-o a continuar esta leitura e ao final apresentar-me um diagnóstico plausível. Voltemos ao problema.
...............Meu sentimento de vazio me incomodava sobremaneira, e acometido pelo temor buscava desesperadamente um assunto, que àquelas alturas poderia ser qualquer um, até mesmo sobre o que comi no almoço ou sobre um filme chato que assistira na noite anterior, sei lá! Precisava falar sobre algo, rezava para todos os santos que conhecia, olhava suplicante para que Santo Expedito à minha frente me socorresse em mais esta causa difícil.
...............Comecei a ter pensamentos estranhos, já havia se passado três semanas que eu não escrevia nada, mas como pode? Onde foi parar minha criatividade exacerbada? Eu me sentia um viciado procurando loucamente satisfazer minha vontade literária, precisava escrever, precisava falar sobre algo, e cadê inspiração? Minha cadelinha Zuca ao pé de mim espreitava minha angústia e vez ou outra apoiava-se com as patinhas da frente em minha perna a fim de me consolar, mas logo, desapontada, desistia de seu intuito percebendo ser inútil me abstrair daquela aflição. Foi nesse momento que percebi o grande mal ao qual estava sofrendo: não tinha assunto para escrever, nada que valesse a pena, estava fatalmente acometido pelo Mal da Falta de Assunto. Isso mesmo, não tinha nada para falar.
...............Mas espere um pouco, que texto é esse aqui de cima? Percebo que fiquei tão descontrolado em face desta dolorosa situação que somente agora dei-me conta de sua existência, um texto parido no afã da procura por um assunto.
...............É, para quem não tinha nada para falar, até que ficou bom. Ai que alívio! Será que estou curado?


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